Nossa História
Entrevista de Domingo do Jornal Comércio da Franca
Domingo, 08 de novembro de 2009
Repórter Dirceu Garcia/Comércio da Franca
Renata Modesto da Redação
COMO TUDO COMEÇOU. . . . .
“Tudo nasceu embaixo de uma laranjeira”
UM HOMEM TRABALHADOR – Alexandre Noronha em meio à linha
de produção em sua fábrica de produtos de limpeza.
“Tudo que conquistei devo a esta cidade que me acolheu”
À primeira vista, a aparência séria do ex-sargento do exército Alexandre Evangelista Noronha, 84, causa receio, mas basta começar a conversa e logo é possível perceber o prazer e o orgulho que este homem tem de sua trajetória. Da cidade de Tauá, no interior cearense, Alexandre guarda muitas histórias de sua adolescência e juventude. Mas foi em Franca que ele se destacou como um homem de negócios.
Criou, em 1952, a primeira empresa de produtos para limpeza da cidade: a Noronha. E não parou mais de trabalhar. O empresário recebeu o Comércio em uma quinta-feira, às 7:30h. Uma sala ampla, com uma mesa grande e um armário com os produtos comercializados pela empresa, foi o local escolhido por ele para contar sua história. O horário da entrevista também foi um pedido do próprio Alexandre. A justificativa foi sua agenda lotada ao longo do dia. E ele não exagerou. Durante uma hora e meia de conversa, marcou, pelo menos, duas reuniões e precisou desligar o celular que não parava de tocar.
Apesar de ter a ajuda dos filhos em sua empresa, cabe a Alexandre tomar decisões importantes em todas as áreas. O homem de 84 anos ainda trabalha pesado. Chega à fábrica às 7 horas e permanece até as 17 horas no local, todos os dias.
Acompanha passo a passo as fórmulas dos produtos e opina quando acha que alguma não é adequada. “Eu consegui descobrir uma forma do querosene não ficar com aquele cheiro forte”, gabou-se. Além do querosene, a fábrica de Alexandre produz amaciantes, desinfetantes, detergentes, entre outros. Ao todo, são mais de vinte produtos de limpeza que saem dos barracões do prédio na Avenida Chico Júlio para as prateleiras dos supermercados.
No passado, Alexandre chegou a vender em quase todo País e teve filial em Novo Hamburgo (RS). Hoje a empresa atende o interior de São Paulo, Sul de Minas e Goiás. Conta com 25 funcionários que estão distribuídos na linha de produção, setores administrativos e na loja própria anexa à fábrica. Conquistar o sucesso não foi tarefa fácil. Para chegar aonde chegou e criar oito filhos, ele se esforçou muito.
Perdeu os pais ainda adolescente, e deixou cinco irmãos em Tauá, interior do Ceará, para procurar o avô em Passos Bons, no Maranhão. Partiu para o local sozinho, pedindo carona e sem o endereço em mãos. Tinha apenas o nome do avô. Não só o encontrou como morou com ele até os 17 anos.
Quando estava prestes a completar maioridade, ele se inscreveu e foi convocado pelo exército. Instalou-se no quartel em Fortaleza. Serviu o exército dos 18 aos 21 anos, quando contraiu tuberculose. Ficou três anos em tratamento em um hospital de base no Rio de Janeiro. Mesmo sem ter concluído o ensino primário, fez curso de cabo no quartel, foi promovido a sargento e reformado. Neste período, ele nem imaginava que um dia conheceria Franca.
A cidade só entrou nos seus planos quando ele conheceu a mãe de cinco dos seus oito filhos - de quem hoje ele é divorciado. Eles se conheceram por meio de uma revista e se corresponderam por um ano. Em 1951, aos 26 anos, Alexandre chegava a Franca para se casar e iniciaria, então, sua trajetória de sucesso. Um negócio que começou embaixo de uma laranjeira.
Leia abaixo a entrevista do Jornal Comércio da Franca.
Comércio - Como surgiu a empresa Noronha Produtos de Limpeza?
Alexandre Noronha - Cheguei a Franca em 1951 e verifiquei que era uma cidade industrial, mas não tinha produtos de limpeza específicos para a indústria. Como sempre fui muito curioso, fiz um curso de química por correspondência e decidi fabricar cera, água sanitária e sabão em pedra. Eu não tinha como montar uma empresa, então, comecei embaixo de uma laranjeira na casa dos meus sogros.
Comércio - Tudo nasceu embaixo de uma laranjeira?
Alexandre - Eu morava com o meu sogro e, dentro da casa, não tinha nenhum
cômodo onde eu pudesse trabalhar, mas o quintal era grande, com pés de laranjas nos fundos. Foi ali que resolvi montar um fogão de lenha onde derretia os ingredientes para fazer sabão, cera e vela de procissão. Só podia trabalhar durante o dia, porque, à noite, o local ficava escuro. Aquilo que produzia eu vendia nos comércios da cidade.
Comércio - Como era feita à venda desses produtos?
Alexandre - Saia pelas ruas visitando as lojas e fábricas que encontrava. Meus dois primeiros clientes foram sírios. Vendia velas para eles. Produzia pouco e ia vendendo. Com o dinheiro que lucrava, comprava mais material e fabricava mais. Como não tinha carro e levava uma vida muito regrada, fazia entrega a pé ou de ônibus. Tinha uma boa acolhida por onde passava. Um dos que mais me apoiaram foi o Hugo Bettarello, da Casa Bettarello. Ele comprava bastante cera. Depois de certo tempo nesta vida, consegui juntar dinheiro e aluguei uma casinha.
Comecei a produzir uma quantidade maior. Fui crescendo, fazendo mais produtos. Mas era muito trabalho. Me lembro de que, às vezes, saia com 18 latas em uma mão e 18 em outra. Resolvi comprar uma bicicleta para facilitar as entregas, mas não sabia andar. Cai bastante. Nunca vou esquecer dessa época. Imagine comprar uma bicicleta e não saber andar...
Comércio - E como surgiu a fábrica de produtos de limpeza?
Alexandre - Quando a produção completou uns dez anos, a fábrica já funcionava em um barracão na Avenida Francisco Marques. Eu decidi que queria crescer mais. O barracão estava ficando pequeno. Fui ao Banco do Brasil e pedi um financiamento para construir um prédio na Avenida Chico Júlio. Daí uns dias, o banco me chamou e disse que meu financiamento não poderia ser executado porque eu não teria condições de pagar. Era uma firma sem imóvel, sem patrimônio. Fiquei muito triste. Mas, naquele dia, prometi para mim mesmo que iria construir. Demorei cinco anos, mas está aqui o prédio (na Avenida Chico Júlio, 3764). Graças a Deus, não fiquei devendo nada para ninguém. Continuo livre, desembaraçado, com nome limpo na praça e na luta.
Comércio - Com tantas dificuldades, o senhor nunca pensou em desistir desse ramo?
Alexandre - Não. Sou apaixonado pela química. E isso surgiu quando eu estava no exército. O tenente me deu dois pares de sapatos. Um preto e um marrom. Me deu também uma lata de pasta incolor. Achei estranho a mesma pasta dar lustro em dois sapatos diferentes e fui tentar descobrir o porquê. Naquela época, já comecei a fazer pasta para polir calçados. Fazia para uso, por curiosidade, para aprender. E, depois, como já disse, decidi fazer o curso à distância.
Comércio - O senhor foi pioneiro nesse segmento em Franca?
Alexandre - Fui. À época tive incentivo da prefeitura por ser uma indústria pioneira. Tive a isenção de taxas e isso me ajudou bastante. Hoje essas facilidades não existem mais.
Comércio - Quando o senhor chegou a Franca ainda não tinha conseguido
concluir o ensino primário e hoje tem em seu currículo um curso técnico e duas graduações. Como conquistou isso em meio a tanto trabalho?
Alexandre - É verdade. Quando cheguei não tinha nem o curso primário. Me casei, tive o primeiro filho, o Francisco, que hoje trabalha comigo. Um dia ele chegou da escola (Barão da Franca) e me mostrou as quatro operações matemáticas, me pedindo para ajudá-lo com os deveres. Eu queria ajudá-lo, mas percebi que não sabia explicar as contas para ele. Fiquei com vergonha. Decidi procurar uma escola e pedi para me matricular no ensino primário. Fiz o curso de admissão (hoje chamado supletivo) sem matrícula, mas, no final de um ano, não pude fazer o exame para entrar no ginásio porque não havia feito a matrícula. Voltei novamente ao curso de admissão. Trabalhava durante o dia e estudava à noite. Depois disso, estudei por 16 anos seguidos. Fiz três anos de ginásio (hoje ensino médio), curso técnico em contabilidade, curso de Direito, na Faculdade de Direito de Franca, e Administração de Empresas, no Uni-Facef. Meus filhos foram crescendo. Continuei a lutar nesta atividade. Começamos a dominar o mercado com a cera Cenap.
Comércio - A Cenap é hoje uma marca forte no mercado de produtos de limpeza. Como surgiu esse nome?
Alexandre - Quando já tinha vários produtos e clientes, vi que precisava registrar uma marca para a empresa, mas não sabia que nome iria adotar. Queria usar a marca Única, mas no Rio de Janeiro já existia uma empresa do mesmo ramo com essa marca. Precisava achar outra e passei a misturar as letras até que surgiu o nome Cenap. Como era uma necessidade urgente, usamos esse nome mesmo. Deu certo.
Comércio - Seus produtos vão para outros estados ou cidades?
Alexandre - Já tivemos uma área maior de venda. Atingimos quase todo o Brasil. Tive uma filial em Novo Hamburgo (RS), mas depois ela (a empresa) diminuiu seu raio de ação. Hoje atendemos o interior de São Paulo, Sul de Minas, um pouco de Goiás. Estamos bem menor do que já fomos porque qualquer cidade que você chega já existe produto de limpeza sendo fabricado no local. Lógico que quem está na cidade fabrica mais barato do que quem está longe. Para transportar o produto, fica muito caro, então, acaba não compensando.
Comércio - A concorrência atrapalhou muito a expansão da empresa?
Alexandre - Atrapalhou muito e atrapalha até hoje.
Comércio - Outras fábricas deste segmento surgiram em Franca depois da Noronha. O senhor se considera um incentivador dessas outras empresas?
Alexandre - Considero que todas são cópias nossas porque se inspiraram na
gente, como eu me inspirei nas marcas que já não existem mais. Daqui mesmo, já saíram dois funcionários que montaram fábricas similares, mas já fecharam. Tocar um negócio não é tão simples como muita gente pensa.
Comércio - E quem continua no ramo? O senhor tem contato, há uma aproximação ou rivalidade?
Alexandre - A gente não tem rivalidade, mas também não tem contato. Cada um para seu canto vende para o mesmo cliente na maioria das vezes, mas há o cantinho na prateleira para cada um. Ganha quem oferecer a melhor qualidade pelo menor preço.
Comércio - Dois de seus filhos trabalham com o senhor. Como é vê-los envolvidos em um sonho que era apenas seu?
Alexandre - É muito bom. Meus filhos estão realmente engajados. O Francisco é engenheiro químico. Incentivei a fazer química para me ajudar. A Clarice, minha filha, cuida da loja.
Comércio - O senhor é um cearense bem sucedido em Franca. O que esta cidade significa para o senhor?
Alexandre - Eu nunca vou morar fora de Franca. É uma cidade da qual gosto muito. Não é mais aquela de quando eu cheguei, há 58 anos, mas gosto, admiro, tenho um circulo de amizades muito grande. Sou conhecido na cidade inteira e isso me orgulha muito. Foi uma cidade que me acolheu. Cheguei aqui e era um forasteiro. Fui bem acolhido e consegui construir uma vida em Franca. Só tenho que agradecer aos francanos de coração. Me considero um francano de alma.
Comércio - Para finalizar, como o senhor define o segredo do sucesso?
Alexandre - Trabalho e persistência. São palavras chaves para quem quer vencer. Fazer bons produtos e, principalmente, ser sincero e honesto em seus negócios. Tudo que a gente faz tem que ser com carinho, amor, dedicação. Se conseguirmos juntar tudo isso não tem como não ter sucesso.
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